Sentir Tudo de Todas as Maneiras │Prosa

          Na cidade cinzenta, entre becos estreitos e vielas sombrias, vivia um homem multifacetado, de sentimentos amplos como o oceano. Chamava-se Eduardo e, como um eco de Fernando Pessoa e seu heterónimo Álvaro de Campos, carregava consigo uma grande inquietude.

Todas as manhãs se vestia com roupas de gala para o mundo. Tinha a máscara do trabalhador sisudo, do boémio que percorria os bares decadentes e a do sonhador que enchia as praças vazias. Mas a máscara que melhor lhe assentava era a do engenheiro de emoções.

Ao longo do dia, mergulhava nas profundezas do sentir e explorava cada detalhe. Os seus olhos captavam tristeza. Um sem-abrigo na esquina e a alegria de uma criança a brincar na chuva. Absorvia tudo ao pormenor. Sentia tudo de todas as maneiras. À noite, refugiava-se no seu pequeno quarto, repleto de livros, papel e canetas. Despia-se das suas máscaras. Revelava a sua verdadeira essência. Na penumbra, parecia Álvaro de Campos, observador melancólico do espetáculo da vida. Escrevia poesias carregadas de emoções, questionando a existência e a razão de sentir tão intensamente. As palavras fluíam como rios caudalosos. Expressava a dualidade de uma alma que queria abraçar o mundo, mas muitas vezes perdia-se na complexidade das suas emoções.

Numa noite de tempestade, Eduardo saiu à rua, desprovido de máscaras. As gotas frias da chuva misturavam-se às suas lágrimas não derramadas. Caminhava sozinho, mas não solitário. O silêncio da noite ecoava nas reflexões que o acompanhavam.

Foi na escuridão que encontrou um vulto familiar, uma figura que se assemelhava a Álvaro de Campos. A sua presença etérea sussurrava verdades universais e insondáveis. Na imensidão noturna, compreendeu que sentir tudo de todas as maneiras era uma dádiva e uma maldição. Abraçava as suas emoções. Desprezava o mundo ao seu redor, mas sofria copiosamente. Num momento de epifania, aceitou a condição de ser humano, alguém destinado a sentir a vida em toda a sua plenitude.

O enlace de Eduardo com a sombra de Álvaro de Campos encerra uma aurora que, rompendo as nuvens, banhou a cidade cinzenta com uma luz tímida. Eduardo continuaria a sua caminhada, sentindo tudo de todas as maneiras, mas com a sabedoria de quem aprendeu a transformar cada emoção em poesia.

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