Dona Velhice

"A tristeza é um ser concreto, mas a alegria também. Porém, mais concreta do que a alegria e a tristeza, é a dor. De concreta que é, não se pode descrever." (Jorge, 2022: 90).
Num mundo que celebra, muito mais vezes, a juventude e a vitalidade, a Dona Velhice é relegada para segundo plano, como se fosse um assunto incómodo ou negligenciável.
No entanto, as reflexões recentes sobre os nossos idosos e as suas mágoas revelam necessidade de dar voz a esta fase da vida.
Na tristeza, na alegria e na dor, profunda e inexprimível, é crucial abordar a Dona Velhice com a seriedade e a compreensão que ela merece.
A propósito de leituras recentes sobre os nossos idosos e as suas mágoas, espoletaram em mim, pensamentos que há muito me acompanham.
Pareceu-me urgente falar deste assunto que muitos ignoram por acharem que os nossos queridos velhos, não merecem ser falados.
A Dona Velhice precisa de um lugar de destaque, até porque ela nos acompanha desde o nosso nascimento.
Sim. É verdade. Todos caminhamos para o inevitável.
O corpo envelhece a cada dia que passa e a nossa mente, que esperávamos ser sã e inabalável, cede todos os dias, mais um pouco, diante dos desafios.
Acentuam-se feitios e a solidão urge de forma inusitada. A mágoa vai ganhando o seu espaço e com ela a falta de um abraço.
Serão as circunstâncias da vida? Ou será simplesmente a falta de humanidade?
Provavelmente, será um pouco de tudo.
No entanto, na singularidade de cada história, no meio de cada vitória, a verdade permanece. Não podemos escapar à Dona Velhice e fintar os seus desígnios.
Ela chega sem avisar. Atormenta sem darmos conta.
«O mundo está cheio de velhos. Dos que já o são e dos que o seremos um dia». Ouvi há pouco tempo de uma enfermeira na área da Geriatria.
As histórias que a autora nos conta no seu livro A última solidão são verdadeiros testemunhos de alguns pacientes, que corajosos, travaram ou ainda travam lutas solitárias nos lares do nosso país.
Pouco se fala disto, mas é necessário. Um dia, os lares serão a nossa morada permanente. É necessário consciencializar, educar. “Não devemos infantilizar os idosos” − disse no âmbito da apresentação do seu livro.
O grau de evolução da nossa sociedade vê-se nos lares. Existem bons lares, mas não são perfeitos. Muitas coisas podem e devem ser mudadas. É urgente saber cuidar dos mais vulneráveis, de quem já não tem nada, nem forças para lutar. É urgente mudar a forma como se olha para a velhice.
No seu romance Misericórdia, um dos intrépidos da literatura portuguesa, Lídia Jorge, pela voz de uma das personagens, equipara a Dona Velhice ao fim da linha: "Morrer é isso mesmo, é a verdade e a mentira já serem coisas iguais. E aqui esse princípio pratica-se diariamente" (Jorge, 2022:105).
Em alguns casos, a sensação é premente, como se perdessem a identidade e controlo sobre o que é seu: " (…) nenhum canto é meu, nenhum objeto me pertence, até mesmo o meu corpo não é mais um recanto privado da minha alma como antes era. Só os meus pensamentos me pertencem, só esses não são vigiados, e ainda assim, há quem tente adivinhar os motivos por que falo ou por que estou calada" (Jorge, 2022: 70).
A Dona Velhice, aquela da qual todos fugimos, mas que representa um bom augúrio se lá chegarmos, pode ser algo muito bom se existir amor e respeito. No entanto, à espreita existe a solidão, a sua maior inimiga.
Deveríamos parar para refletir sobre como vivem os nossos velhos para que a Dona Velhice não seja recebida como algo inexorável.
Fintar a Dona Velhice é uma grande batalha! É natural que, diante das vicissitudes da vida, muitos a prefiram ignorar ou temer. No entanto, e paradoxalmente, ela é a nossa maior esperança.
É a guardiã de histórias, de memórias e lições que moldaram as nossas vidas.
Na vida frenética que levamos, esquecemos, muitas vezes, da importância da Dona Velhice. Valoriza-se a juventude, a energia e a beleza, porém, negligenciamos algo bem precioso, o envelhecimento.
Respeitar a velhice é ajudar a construir sociedades mais inclusivas e solidárias.
É uma fase da vida repleta de riqueza interior. Um período de escolhas, reflexões e de tempo para apreciar e partilhar as sabedorias com os mais jovens.
Sim, celebrar a vida, aprender com ela, com os nossos mais velhos, mas convicta de que a Dona Velhice é, afinal, uma das maiores esperanças da humanidade. Uma continuação da história e perpetuação de conhecimentos.
E vós? O que acham de tudo isto?
Não estaremos a perder experiências e histórias ao subestimar os mais velhos?
Costumam pensar no que já vivemos e no tempo que nos resta?
O que consideram fundamental mudar nos últimos anos de vida dos nossos idosos?
É, de facto, um tema que considero esquecido, daí a necessidade de falar nele, pelo que me apraz deixar um pequeno poema de exaltação.

Elizabete Novembro 2023

Dona Velhice

Sim. És tu!
Aquela que mais tememos.
A verdade para o caminho inevitável
Aquela que consideramos inexorável.
Não adiantam conflitos.
Não adiantam invejas ou lamentações.
Teremos de aceitar que tu, Dona Velhice, estás à espreita
Desde o dia do nosso nascimento.
És tu que nos acompanhas no sofrimento.
Na fantasia e na alegria.
Por ti, procuramos a harmonia.
A ti, leitor,
Devemos agradecer ao corpo pelo facto de chegarmos até aqui.
Devemos olhar para ela como ela olha para ti.
Perante o avançar do torpor,
Aceitarmos a dor.
A Dona Velhice parece enfrentar-nos, mas não.
No fundo, é a nossa fiel escudeira.
É ela que se esforça por fintar a morte.
Pura e verdadeira.
Também é ela que nos traz sorte.
Abraçar a Dona Velhice é viver.
Viver plenamente.
Consciente.
Aquela que tanto repudiamos é, de facto, a nossa esperança.
É a nossa segurança.
A certeza do que já vivemos e do que ainda temos para viver.
Enfrentam-se limitações físicas, é verdade.
Mas, também se conquistam sabedorias,
Alguma vaidade.
Cada ruga, cada cabelo branco é uma caminhada.
A Dona Velhice é uma dádiva.
Há que acolhê-la com alegria e gratidão.
Olhá-la determinada,
E fugir da solidão.

(Elizabete 26 Outubro 2023)

Bibliografia

Garcia, Carmen (2022). A Última Solidão, 7ª edição, Avenida da Liberdade Editores, Lda;
Jorge, Lídia (2022). Misericórdia, 1ª edição, Lisboa, Publicações Dom Quixote.

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